O ÁRBITRO
FORMAÇÃO TÉCNICA, HUMANA E SÓCIO DESPORTIVA
por Carlos Oliveira Dias
O ÁRBITRO
O árbitro de xadrez é um juíz, um regulador. É pois, parte integrante do jogo. Condicionado às regras e leis da modalidade, do bom senso e da ética.
O árbitro de xadrez tem uma particularidade em relação aos árbitros de outras modalidades, que regra geral são ex-praticantes ou ex-dirigentes. No xadrez não existem ex-praticantes. É uma modalidade desportiva que se pode praticar durante toda uma vida. Como tal, e dada a paixão que o jogo desperta em todos os que à modalidade estão ligados, ser árbitro de xadrez é um verdadeiro sacerdócio. Um árbitro de carreira, vai forçosamente ter de abdicar de jogar frequentes vezes. Errada é, todavia, a idéia de que só vai para árbitro quem não tem qualidade escaquística suficiente para triunfar no tabuleiro. Optar por uma carreira na arbitragem, é optar por servir a modalidade numa outra forma. O árbitro é o garante do cumprimento das regras do jogo. Sobre ele assenta a responsabilidade do bom funcionamento e da verdade desportiva de uma competição. Da sua actuação advém também uma vertente pedagógica. Ao ser o garante das regras do jogo, o árbitro assume uma faceta pedagógica, que deve ter particular e redobrada importância quando a sua actuação visa os mais jovens e os escalões de formação.
Dada a exigência de competência que é feita a um árbitro, a sua formação técnica assume especial importância. Nesta formação estão compreendidas as técnicas de arbitragem.
O árbitro deve ter um profundo conhecimento das regras do jogo. Não basta saber o seu conteúdo. É necessário ler nas entrelinhas e entender o que a interpretação das regras deixam pressupor.
No que às técnicas de arbitragem diz respeito, e que variam de árbitro para árbitro o importante é definir um padrão de actuação. A criação por parte do árbitro de técnicas de arbitragem permite evitar problemas no decorrer de uma competição. O árbitro é tanto melhor quão menores os problemas surgidos numa sua actuação.
Um árbitro cauteloso e atento pode evitar situações de risco. Nos aspectos técnicos realce para os seguintes itens:
1 – Antes do Torneio
2 – Antes da Partida
3 – Durante a Partida
4 – Apuros de Tempo
5 – Finish
6 – Semi-rápidas
7 – Rápidas
Numa escalpelização destes pontos, temos que:
1 – Antes do torneio, o árbitro deve "estudar" o regulamento do mesmo.
- Ritmo de jogo
- Sistema do torneio
- Critérios de desempate
- Critérios de distribuição de prémios
- Horário e calendário
A análise da sala é também de importância capital
A iluminação e luminosidade; O ruído; a relação espaço-conforto; as condições jogadores público; local para análises; estruturas de apoio (WC/Bar/Sala de fumo);
A análise do material é também muito importante. Aqui há a realçar a triologia relógios/jogos/ impressos.
Relógios:
- Se funcionam correctamente
- Se caiem as setas à hora
Alerta para o facto de nos relógios convencionais, o dar a corda toda e prender a mesma, está na origem de 80% das avarias.
Jogos:
Aspectos a verificar:
- Tamanho
- Brilho
- Relação peça/tabuleiro
- Uniformidade das peças
2 – Antes da partida
- Verificar a correcta colocação das peças
- Verificar relógios – acerto e corda
- Verificar se há registos de partida
- Verificação colocação correcta de nomes e bandeiras
Dar inicio à sessão por gong, voz (grandes torneios) ou pondo os relógios em marcha (pequenos torneios). Accionar os relógios das brancas que ainda o não foram, caso que acontece mais frequentemente, quando os dois jogadores não estão presentes).
3 – Durante a partida
- Controlar as condições de jogo
- Observar silêncio da sala
- Evitar conversas e saídas "reprimindo" os abusos.
- Controlar periodicamente os relógios (hora a hora),
- Controlar os registos de partida.
4 - Apuros de tempo
Cabe ao árbitro atento detectar quais as partidas de risco. O árbitro pode assim fazer, atempadamente, a distribuição dos apuros baseando-se no critério importância /agudeza.
O circular pela sala calmamente sem distrair ou incomodar os jogadores, permite ao árbitro ter uma percepção de onde vão surgir os apuros de tempo. Pode, assim, evitar o factor surpresa e pode também "canalizar" atempadamente os seus colegas para os diversos apuros.
Os apuros de tempo são a prova de fogo de um árbitro. São por assim dizer o clímax da partida. Por isso mesmo, requerem da sua parte uma postura cuidada. É conveniente uma aproximação calma e serena.
A brusquidão ao chegar a um apuro de tempo só serve para desconcentrar os jogadores. O tomar as notas durante os apuros de tempo é também importante. O árbitro deve conseguir anotar os lances dos jogadores. Todavia, o mais importante é assinalar a queda da seta. Como tal, aconselho o árbitro a ter um olhar periférico. Isto é, assim que tem a percepção de que a queda da seta está eminente, o árbitro deve fixar o olhar no relógio mantendo todavia uma olhadela no tabuleiro. Se não conseguir anotar os lances completos, deve pelo menos anotar a peça que foi jogada. Torna-se assim mais fácil a reconstituição da partida. Em caso de necessidade de reconstituição de uma partida deve o árbitro certificar-se de que a mesma foi correctamente feita e só deve abandonar o local após os dois jogadores terem completado o seu registo de partida. Nunca um árbitro deve virar as costas sem que tudo esteja regulamentarmente feito. Nem mesmo o fair-play dos jogadores deve fazê-lo relaxar.
5 – Finish
No Finish pode o árbitro adoptar a seguinte linha de actuação:
1º Critério:
- Marcar as partidas críticas
2º Critério:
- Acompanhar as partidas em que pode haver reclamação de empate.
Não aceitar reclamações com seta caída e não aceitar pedidos de empate em situações pouco claras.
6 – Semi-rápidas
O árbitro deve, neste ritmo, ter uma acção mais contida.
7 – Rápidas
Passividade. Só intervir se for solicitado.
Como se disse as técnicas variam de árbitro para árbitro. Uma deve todavia, nortear a sua acção:
A confiança. Assente na consciência do seu valor e da sua capacidade de resolver os problemas. E também na sua constante vontade de evoluir. O colocar a fasquia cada vez mais alta, leva-nos a progredir e aperfeiçoar os nossos métodos.
A um juíz de xadrez é exigido também um bom alicerce na sua conduta humana. Alheado das tendências unilaterais dos outros agentes da modalidade (jogadores/dirigent es/ público), o árbitro deve "impôr" a sua personalidade, isenção e carácter. Da conjugação das formações técnica e humana de um árbitro, nasce uma postura de justiça de isenção e transparência que permite ao árbitro uma credibilidade junto dos outros agentes da modalidade.
A personalidade vincada, a postura, o profundo conhecimento das regras e a imparcialidade são factores preponderantes no ajuizar da credibilidade de um árbitro por parte dos intervenientes numa competição.
A apresentação e aparência de um árbitro são alvo de uma observação que produz, à partida, a boa ou má imagem do mesmo.
Já no decorrer de uma competição são vários os factores que determinam o valor e a credibilidade do árbitro junto dos outros intervenientes, e o êxito da sua actuação.
- Calma e confiança
O árbitro deve transmitir a ideia aos jogadores que sabe que está a fazer.
Que tem plena convicção das regras que está a aplicar. Deve contudo fazê-lo de uma forma calma e sem precipitações.
- Isenção e verticalidade
São condições exigidas a um árbitro.
Um árbitro é um juiz que advoga e aplica leis e regras. Como tal deve ser uma figura cuja conduta não mereça qualquer reparo.
- Passar despercebido
Não deve o árbitro ser arrogante e exibicionista. Afinal ele não é a primeira figura da competição.
A actuação de um árbitro é tanto melhor quanto menos se der por ele.
- Ausência de carácter punitivo
O árbitro deve evitar condenar um jogador. Pode ser possível, derivado a um incidente anterior entre um árbitro e um jogador, que o juíz "marque" o referido xadrezista.
Regra geral, dá origem a erros provocados pela ânsia de punir.
Analisados os aspectos da formação técnica e humana do árbitro, cabe ainda uma nota, no sentido de conceder ao juíz um papel na tarefa pedagógica que deve ser levada a cabo por todos os agentes da modalidade.
O árbitro deve ser visto como um parceiro e não como um carrasco que determina, pela sua actuação, o mau desempenho dos jogadores ainda que, aqui ou ali, erre. Errar é humano e um árbitro não é um Extra-Terrestre.
Carlos Oliveira Dias (A.I. F.I.D.E.)
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